Os
escândalos passam pelo noticiário numa procissão infindável, uma cachoeira de
escândalos. Tenebrosas transações vão surrupiando recursos públicos, esgarçando
a confiança nas instituições, consolidando a sensação de que os políticos são
assim mesmo; todos iguais. No ano passado foi um dominó que derrubou sete
ministros e consumiu o ano inteiro. Este ano, a CPI que começa é outra que tem o
nome de CPI do fim do mundo.
Onde
é que estão os riscos e como entender essa avalanche? A imprensa é apenas a
mensageira da notícia. Ela divulga. Não é a responsável pelo ambiente de cansaço
e apreensão diante de tanto fato que ofende o país.
O
problema alcançou uma dimensão que vai além do evento em si, vai além da
política, e compromete ganhos importantes que o país conquistou nas últimas
décadas. Cada evento tem que ser apurado, e seus responsáveis, punidos. Mas
seria normal que a esta altura dos malfeitos houvesse algum temor entre os
corruptos. Eles parecem, fita após fita, diálogo após diálogo, ter a mesma sem
cerimônia, a mesma incorrigível desfaçatez.
Políticos
com posições de destaque, com ambições ainda maiores, são capazes de exibições
de espantosa falta de noção do conflito de interesses e dos limites que devem
reger as relações entre o público e o privado. Se colocassem apenas as suas
carreiras em risco, vá lá. Mas o perigo se abate também sobre políticas públicas
que esses políticos colocaram em marcha, e para as quais contribuem pessoas e
servidores sinceramente convencidos da sua qualidade.
Tudo
isso desanima. Abate. Confunde. O brasileiro honesto diante de tanta recorrência
pode achar que é assim mesmo, é da natureza da política. Pode considerar que o
melhor é aderir a esse padrão moral nas suas próprias relações. Ou pode
simplesmente se afastar de tudo, não querer mais perder tempo em entender tanto
organograma dos esquemas criminosos, ouvir trechos de tantos diálogos
tortuosos.
A
generalização, a perda de valores, ou a alienação, qualquer dessas reações é
perigosa para o país. A primeira vai minar o apoio à democracia, porque a
conclusão pode ser: se todos os políticos são iguais, melhor não tê-los. A
segunda porque ela tornará a corrupção endêmica, parte da cultura nacional. A
terceira, essa do abandono do navio aos ratos, é a renúncia à busca de um país
decente.
Um
escândalo é apenas um escândalo. Todos eles juntos vão formando a cachoeira que
pode nos arrastar para longe do objetivo que o Brasil tinha quando lutou suas
lutas recentes.
Na
conversa da redação, quando a equipe da Globonews preparava a reportagem sobre
Rubens Paiva, nos demos conta de que a maioria dos brasileiros não tinha nascido
quando o deputado foi preso e desapareceu em 1971. Fui verificar no IBGE, e o
número era espantoso: 68% dos brasileiros têm menos de 41 anos. O Brasil tem uma
população jovem. Isso é um bônus, mas o risco aumenta. Os que na minha geração
entenderam a dor vivida pelo país durante a ditadura estão dispostos a tudo para
manter o Congresso aberto. Mas e os jovens? Os que nada daquilo viveram? Até
quando tolerarão a sequência de escândalos sem serem capturados por algum
vendedor de poção mágica e autoritária para os males nacionais?
Na
economia, a corrupção é devastadora. O que normalmente se tem em mente é o
volume de recursos desviado dos cofres públicos através das estratagemas de
sempre: empresas fantasmas que não prestam o serviço para o qual são pagas;
sobrepreço na compra de bens e serviços pelo governo; compras aprovadas por
políticos e funcionários que receberam a sua parcela do dinheiro sujo;
desperdício de obras inacabadas.
Há
muitas outras perdas. As empresas fornecedoras do governo adotam normas de
organização gerencial que promovam o funcionário que sabe o caminho, ou
descaminhos, do cofre. Como o Estado é o grande comprador, se a má prática se
dissemina, todos os milhares de fornecedores do Estado serão colocados em algum
momento diante do dilema: aceitar ou não a regra vigente. Hoje, já se vê no
Brasil o desdobramento disso, que é a corrupção nos negócios entre empresas
privadas.
Grandes
investidores podem considerar que o Brasil não é um país para o qual se deva ir.
A corrupção de tão frequente pode estar neste momento desanimando alguma
diretoria a tentar voos maiores para o Brasil. Ou então desembarcam com a
orientação de adotar padrões éticos mais flexíveis para se adaptar à cultura
local.
A
democracia corre riscos evidentes a cada nova pancada que a opinião pública
recebe. A economia vai se viciando, encontrando os atalhos, perdendo sua
eficiência, atraindo apenas os piores, os que sabem se movimentar em ambiente
tão degradado.
O
Brasil tem sonhos altos e nesse momento tem mais confiança de que pode
alcançá-los. Quer estar entre os primeiros países do mundo, mesmo sabendo que o
sexto lugar em PIB só será efetivo quando houver o mesmo grau no desenvolvimento
humano. Ninguém desconhece que há uma lista grande de tarefas por fazer. A
dúvida é quanto do nosso destino está sendo diariamente sabotado pela corrupção
no momento em que temos tantas chances.
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