terça-feira, 8 de maio de 2012

O mal feito a nós - COLUNA NO GLOBO


Os escândalos passam pelo noticiário numa procissão infindável, uma cachoeira de escândalos. Tenebrosas transações vão surrupiando recursos públicos, esgarçando a confiança nas instituições, consolidando a sensação de que os políticos são assim mesmo; todos iguais. No ano passado foi um dominó que derrubou sete ministros e consumiu o ano inteiro. Este ano, a CPI que começa é outra que tem o nome de CPI do fim do mundo.
Onde é que estão os riscos e como entender essa avalanche? A imprensa é apenas a mensageira da notícia. Ela divulga. Não é a responsável pelo ambiente de cansaço e apreensão diante de tanto fato que ofende o país.
O problema alcançou uma dimensão que vai além do evento em si, vai além da política, e compromete ganhos importantes que o país conquistou nas últimas décadas. Cada evento tem que ser apurado, e seus responsáveis, punidos. Mas seria normal que a esta altura dos malfeitos houvesse algum temor entre os corruptos. Eles parecem, fita após fita, diálogo após diálogo, ter a mesma sem cerimônia, a mesma incorrigível desfaçatez.
Políticos com posições de destaque, com ambições ainda maiores, são capazes de exibições de espantosa falta de noção do conflito de interesses e dos limites que devem reger as relações entre o público e o privado. Se colocassem apenas as suas carreiras em risco, vá lá. Mas o perigo se abate também sobre políticas públicas que esses políticos colocaram em marcha, e para as quais contribuem pessoas e servidores sinceramente convencidos da sua qualidade.
Tudo isso desanima. Abate. Confunde. O brasileiro honesto diante de tanta recorrência pode achar que é assim mesmo, é da natureza da política. Pode considerar que o melhor é aderir a esse padrão moral nas suas próprias relações. Ou pode simplesmente se afastar de tudo, não querer mais perder tempo em entender tanto organograma dos esquemas criminosos, ouvir trechos de tantos diálogos tortuosos.
A generalização, a perda de valores, ou a alienação, qualquer dessas reações é perigosa para o país. A primeira vai minar o apoio à democracia, porque a conclusão pode ser: se todos os políticos são iguais, melhor não tê-los. A segunda porque ela tornará a corrupção endêmica, parte da cultura nacional. A terceira, essa do abandono do navio aos ratos, é a renúncia à busca de um país decente.
Um escândalo é apenas um escândalo. Todos eles juntos vão formando a cachoeira que pode nos arrastar para longe do objetivo que o Brasil tinha quando lutou suas lutas recentes.
Na conversa da redação, quando a equipe da Globonews preparava a reportagem sobre Rubens Paiva, nos demos conta de que a maioria dos brasileiros não tinha nascido quando o deputado foi preso e desapareceu em 1971. Fui verificar no IBGE, e o número era espantoso: 68% dos brasileiros têm menos de 41 anos. O Brasil tem uma população jovem. Isso é um bônus, mas o risco aumenta. Os que na minha geração entenderam a dor vivida pelo país durante a ditadura estão dispostos a tudo para manter o Congresso aberto. Mas e os jovens? Os que nada daquilo viveram? Até quando tolerarão a sequência de escândalos sem serem capturados por algum vendedor de poção mágica e autoritária para os males nacionais?
Na economia, a corrupção é devastadora. O que normalmente se tem em mente é o volume de recursos desviado dos cofres públicos através das estratagemas de sempre: empresas fantasmas que não prestam o serviço para o qual são pagas; sobrepreço na compra de bens e serviços pelo governo; compras aprovadas por políticos e funcionários que receberam a sua parcela do dinheiro sujo; desperdício de obras inacabadas.
Há muitas outras perdas. As empresas fornecedoras do governo adotam normas de organização gerencial que promovam o funcionário que sabe o caminho, ou descaminhos, do cofre. Como o Estado é o grande comprador, se a má prática se dissemina, todos os milhares de fornecedores do Estado serão colocados em algum momento diante do dilema: aceitar ou não a regra vigente. Hoje, já se vê no Brasil o desdobramento disso, que é a corrupção nos negócios entre empresas privadas.
Grandes investidores podem considerar que o Brasil não é um país para o qual se deva ir. A corrupção de tão frequente pode estar neste momento desanimando alguma diretoria a tentar voos maiores para o Brasil. Ou então desembarcam com a orientação de adotar padrões éticos mais flexíveis para se adaptar à cultura local.
A democracia corre riscos evidentes a cada nova pancada que a opinião pública recebe. A economia vai se viciando, encontrando os atalhos, perdendo sua eficiência, atraindo apenas os piores, os que sabem se movimentar em ambiente tão degradado.
O Brasil tem sonhos altos e nesse momento tem mais confiança de que pode alcançá-los. Quer estar entre os primeiros países do mundo, mesmo sabendo que o sexto lugar em PIB só será efetivo quando houver o mesmo grau no desenvolvimento humano. Ninguém desconhece que há uma lista grande de tarefas por fazer. A dúvida é quanto do nosso destino está sendo diariamente sabotado pela corrupção no momento em que temos tantas chances.

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