O Brasil tem tecnologia para enfrentar algumas crises. Foram muitos os desafios que o país precisou superar. Soube resolver uma crise bancária de forma melhor do que os Estados Unidos e a Europa. Encontrou uma solução razoável para o colapso fiscal dos estados. Venceu a hiperinflação. Foram experiências traumáticas, e estivemos sozinhos na busca de solução.
Quem acompanha a economia brasileira há muito tempo, como eu, teve várias vezes a sensação de “já vi este filme”, diante das crises recentes em outros países. O erro que a Europa e os EUA cometeram quando os bancos quebraram foi não seguir a marca divisória que o Brasil riscou no chão com o Proer. O programa de reestruturação do sistema financeiro separou ativos bons e ruins dos bancos quebrados; vendeu os bons para outros bancos; garantiu os correntistas e tomou os ativos dos banqueiros. Fez uma lei em que administradores e controladores responderiam com seus bens pelos problemas. Desta forma, salvou os investidores, mas não os banqueiros. Lá, o resgate não fez essa separação e produziu uma desmoralização: os administradores de fundos, bancos e grandes acionistas sabem que serão resgatados.
Quando os estados faliram, Pedro Parente, Clóvis Carvalho, Pedro Malan, Murilo Portugal e vários bons funcionários públicos conduziram uma detalhada negociação de refinanciamento. Ela envolveu até a venda de recebíveis, como duas décadas de royalties do Rio. Bancos estaduais quebrados foram federalizados para serem vendidos ou fechados. Os estados devem à União, pagam, têm limites fiscais a obedecer. De vez em quando reclamam do indexador da dívida, mas o marco legal foi mantido através da Lei de Responsabilidade Fiscal. A Europa gastou uma quantia exorbitante para salvar a Grécia e agora não sabe como fazer a reestruturação das dívidas de vários outros países maiores.
O Brasil desenvolveu essas tecnologias de enfrentamento e solução de crises porque tinha um projeto: uma moeda estável, que encerraria décadas de super e hiperinflação. Enfrentou sozinho e em descrédito as dificuldades. O mundo crescia e nos olhava como país bizarro. O governo americano não quis ajudar na negociação da nossa dívida externa — não fez pelo Brasil o que fez pelo México. O FMI ajudou em alguns momentos, com empréstimos, mas com exigências muito maiores do que faz agora aos países em crise da Europa.
O Brasil renegociou sua dívida externa de forma amigável — ainda que dura — ; a Argentina deu calote, seguido de atitude hostil em relação aos mercados. Nós saímos melhor da crise, mas a Argentina também voltou a crescer. A diferença é que continuamos com o compromisso de lutar contra a inflação, e a Argentina decidiu brincar de forma imprudente com o perigoso inimigo.
Com o que o Brasil não sabe lidar? Com crise de superendividamento das famílias e bolha imobiliária. A longa hiperinflação deixou de herança um mercado de crédito subdesenvolvido, e só nos últimos anos ele floresceu. Dobrou em oito anos como percentual do PIB. A maioria dos economistas brasileiros não faz um diagnóstico exato porque compara o crédito/PIB com o de outros países e conclui que está tudo bem. Ou olha índices de inadimplência e acha que não há sinais de risco. Há riscos, sim. O Brasil tem um dinheiro caro demais, muita inadimplência está sendo mascarada por tomadas de empréstimos para renovar dívidas. Se o país parar de crescer e de elevar salários, a rapidez da bola de neve do não pagamento de dívidas será maior, exatamente pelo custo do dinheiro. Os imóveis estão com preços se descolando da realidade. Na última crise imobiliária que o Brasil teve, nos anos 1980, a classe média não conseguiu pagar, o BNH quebrou, o prejuízo foi estatizado e o financiamento imobiliário morreu por 20 anos. A maior parte da conta foi paga pelos pobres ou muito pobres.
O Brasil não tem tido respostas novas para a desaceleração do crescimento. As respostas estão contaminadas pela ideologia econômica do governo militar, agora reeditada: ampliação de gasto público, uso excessivo de bancos estatais na oferta de crédito a empresas com problemas, renúncias fiscais para lobbies industriais mais fortes, escolha de grupos para serem favorecidos com a missão de liderar o capitalismo nacional. Tudo é velho e não deu certo. O cemitério de empresas está cheio de supostos campeões nacionais. Esse é o maior risco que a economia corre hoje. O BNDES na gestão de Luciano Coutinho está reeditando escolhas que levaram o país ao capitalismo de riscos públicos e lucros privados. O ingrediente mais tóxico é o endividamento público para “emprestar” ao banco. É sim uma nova conta movimento.
O Brasil virou dependente do preço alto das commodities, como se o boom fosse durar para sempre. Num cenário de recessão global, cada vez mais real, e no qual a economia chinesa não pise no acelerador, as commodities caem. Quando acontecer, vão aumentar as pressões de lobbies por protecionismo e favorecimento aos grandes grupos industriais. Respostas velhas ganharão força.
O país precisa saber em que ponto é sólido e em que ponto é vulnerável. Pode exibir a segurança de quem enfrentou sozinho crises difíceis e desenvolveu soluções, mas deve evitar erros velhos. O mundo atravessa uma zona de turbulência e nosso avião está no ar. Precisamos de um bom plano de voo.
Fonte: COLUNA NO GLOBO
Quem acompanha a economia brasileira há muito tempo, como eu, teve várias vezes a sensação de “já vi este filme”, diante das crises recentes em outros países. O erro que a Europa e os EUA cometeram quando os bancos quebraram foi não seguir a marca divisória que o Brasil riscou no chão com o Proer. O programa de reestruturação do sistema financeiro separou ativos bons e ruins dos bancos quebrados; vendeu os bons para outros bancos; garantiu os correntistas e tomou os ativos dos banqueiros. Fez uma lei em que administradores e controladores responderiam com seus bens pelos problemas. Desta forma, salvou os investidores, mas não os banqueiros. Lá, o resgate não fez essa separação e produziu uma desmoralização: os administradores de fundos, bancos e grandes acionistas sabem que serão resgatados.
Quando os estados faliram, Pedro Parente, Clóvis Carvalho, Pedro Malan, Murilo Portugal e vários bons funcionários públicos conduziram uma detalhada negociação de refinanciamento. Ela envolveu até a venda de recebíveis, como duas décadas de royalties do Rio. Bancos estaduais quebrados foram federalizados para serem vendidos ou fechados. Os estados devem à União, pagam, têm limites fiscais a obedecer. De vez em quando reclamam do indexador da dívida, mas o marco legal foi mantido através da Lei de Responsabilidade Fiscal. A Europa gastou uma quantia exorbitante para salvar a Grécia e agora não sabe como fazer a reestruturação das dívidas de vários outros países maiores.
O Brasil desenvolveu essas tecnologias de enfrentamento e solução de crises porque tinha um projeto: uma moeda estável, que encerraria décadas de super e hiperinflação. Enfrentou sozinho e em descrédito as dificuldades. O mundo crescia e nos olhava como país bizarro. O governo americano não quis ajudar na negociação da nossa dívida externa — não fez pelo Brasil o que fez pelo México. O FMI ajudou em alguns momentos, com empréstimos, mas com exigências muito maiores do que faz agora aos países em crise da Europa.
O Brasil renegociou sua dívida externa de forma amigável — ainda que dura — ; a Argentina deu calote, seguido de atitude hostil em relação aos mercados. Nós saímos melhor da crise, mas a Argentina também voltou a crescer. A diferença é que continuamos com o compromisso de lutar contra a inflação, e a Argentina decidiu brincar de forma imprudente com o perigoso inimigo.
Com o que o Brasil não sabe lidar? Com crise de superendividamento das famílias e bolha imobiliária. A longa hiperinflação deixou de herança um mercado de crédito subdesenvolvido, e só nos últimos anos ele floresceu. Dobrou em oito anos como percentual do PIB. A maioria dos economistas brasileiros não faz um diagnóstico exato porque compara o crédito/PIB com o de outros países e conclui que está tudo bem. Ou olha índices de inadimplência e acha que não há sinais de risco. Há riscos, sim. O Brasil tem um dinheiro caro demais, muita inadimplência está sendo mascarada por tomadas de empréstimos para renovar dívidas. Se o país parar de crescer e de elevar salários, a rapidez da bola de neve do não pagamento de dívidas será maior, exatamente pelo custo do dinheiro. Os imóveis estão com preços se descolando da realidade. Na última crise imobiliária que o Brasil teve, nos anos 1980, a classe média não conseguiu pagar, o BNH quebrou, o prejuízo foi estatizado e o financiamento imobiliário morreu por 20 anos. A maior parte da conta foi paga pelos pobres ou muito pobres.
O Brasil não tem tido respostas novas para a desaceleração do crescimento. As respostas estão contaminadas pela ideologia econômica do governo militar, agora reeditada: ampliação de gasto público, uso excessivo de bancos estatais na oferta de crédito a empresas com problemas, renúncias fiscais para lobbies industriais mais fortes, escolha de grupos para serem favorecidos com a missão de liderar o capitalismo nacional. Tudo é velho e não deu certo. O cemitério de empresas está cheio de supostos campeões nacionais. Esse é o maior risco que a economia corre hoje. O BNDES na gestão de Luciano Coutinho está reeditando escolhas que levaram o país ao capitalismo de riscos públicos e lucros privados. O ingrediente mais tóxico é o endividamento público para “emprestar” ao banco. É sim uma nova conta movimento.
O Brasil virou dependente do preço alto das commodities, como se o boom fosse durar para sempre. Num cenário de recessão global, cada vez mais real, e no qual a economia chinesa não pise no acelerador, as commodities caem. Quando acontecer, vão aumentar as pressões de lobbies por protecionismo e favorecimento aos grandes grupos industriais. Respostas velhas ganharão força.
O país precisa saber em que ponto é sólido e em que ponto é vulnerável. Pode exibir a segurança de quem enfrentou sozinho crises difíceis e desenvolveu soluções, mas deve evitar erros velhos. O mundo atravessa uma zona de turbulência e nosso avião está no ar. Precisamos de um bom plano de voo.
Fonte: COLUNA NO GLOBO
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