Harildo Déda, Gildeon Rosa, Gil Teixeira e Maria de Souza sob direção do incansável Ewald Hackler encenam uma obra prima do mestre do teatro do absurdo
A Companhia de Teatro da UFBA comemora 30 anos de fundação com a montagem Fim de Partida, texto clássico de Samuel Beckett, dirigido por Ewald Hackler e trazendo no elenco Harildo Déda, Gideon Rosa, Gil Teixeira e Maria de Souza. O espetáculo, contemplado pelo edital Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2009, estreia no Teatro Martim Gonçalves (Canela/Salvador/BA) 12 de abril, às 20 horas, com entrada gratuita, e seguem em temporada, de terça a domingo, no mesmo horário, até dia 01/05.
Com atmosfera do pós-guerra, a tragicomédia utiliza a estética do Teatro do Absurdo para abordar o enigma da existência humana, a solidão e a esperança através de quatro personagens presos num abrigo à beira mar que sofrem com a escassez de alimentos e remédios. O artista frustrado, cego e paralítico Hamm, interpretado por Harildo Déda (A Prostituta Respeitosa/ A Última Sessão de Teatro), mantém uma relação simbiótica com o empregado manco Clov, vivido por Gideon Rosa (Na Solidão dos Campos de Algodão/ Arte), que não pode sentar-se devido uma estranha doença. Porém, basta o patrão soar o apito que ele se faz presente para travar diálogos aflitivos.
Segundo Hackler, Beckett prolongou duas figuras da Comédia dell’arte até as últimas conseqüências: Hamm, a variante do velho rico e avarento, Pantaleone. E Clov, o criado rebelde, Arlecchino, que aborrece o quanto pode o seu patrão, mas não consegue abandoná-lo. Entretanto, o autor de Esperando Godot investiu as duas figuras da comédia com a consciência da morte e da dor. “O ponto essencial dos personagens é a relação de dependência que um tem com o outro”, diz o diretor alemão, naturalizado brasileiro, que traz no currículo os premiados trabalhos Arte e Noite Encantada.
Os outros dois personagens de Fim de Partida também têm mutilações, Nagg (Gil Teixeira) e Nell (Maria de Souza), pais de Hamm, estão semimortos e condenados a vegetar. Eles pontuam a peça com conversas sobre o amor, lembranças do passado e gestos carinhosos. Mas apesar da afetuosidade, quando a mãe falece, Hamm manifesta a vontade de ver as latas de lixo jogadas ao mar. “À primeira vista as figuras de Beckett podem parecer abstratas, copiadas a partir de uma proporção ou desproporção religiosa. Mas na carne de clowns e vagabundos que eles incorporam, a representação ganha uma presença concreta”, explica o diretor
Comumente, o dramaturgo irlandês apresenta em suas peças indicações cênicas meticulosas para orientar os futuros encenadores como deve ser conduzida a sua obra, um verdadeiro manual de entonações, gestos e marcações. Avesso aos modismos e releituras modernosas, Hackler mantém a integridade do texto e segue à risca as rubricas. “Quero apenas captar as intenções de Beckett, se possível, por completo, o que – por si só - não é coisa pequena”, garante.
Então, a cenografia e o figurino, assinados também por Hackler, abraçam as descrições feitas no texto pelo autor. A ambientação do espetáculo remete a um pequeno subsolo com duas janelas que permitem a vista para fora e traz os pais de Hamm em latões de lixo, marca registrada da peça. As inspirações para criar as indumentárias dos protagonistas, assim como a construção do perfil dos personagens, são os clochards parisienses, pessoas que vivem à margem da sociedade, mas são instruídos e sobrevivem com trabalhos temporários. Muitos resgatam no lixo, livros, selos, gravuras antigas e as vendem em sebos, de lá também retiram suas roupas puídas e acessórios. Já Negg e Nell utilizam vestimentas de época sóbrias, no entanto desgastadas pelo tempo.
Hackler e Déda, uma parceria absurda
Diferente do vínculo entre Hamm e Clov, a parceria frutífera entre Hackler e Harildo Déda iniciou, em 1972, na montagem da peça O Montacargas, de Harold Pinter, apresentada no Teatro Vila Velha. Nesses 39 anos, foram diversos trabalhos juntos com os dois artistas se revezando em diversos papeis, ora Déda assumia a direção, Hackler respondia pela cenografia ou iluminação; tamanha afinidade levou os dois a assinarem juntos a direção de Ciranda. Rosa começou a fazer parte da tabelinha em 1985, na peça Em Alto Mar, estava formada a tríplice aliança que se encontrou novamente incontáveis vezes no tablado. “Trabalhar com profissionais que tem afinidade é um componente importante porque dá qualidade ao resultado” avalia Rosa.
30 anos de estrada da Cia de Teatro da UFBA,
Concomitantemente a inauguração da Escola de Teatro, Eros Martim Gonçalves, fundador e primeiro diretor da instituição, criou o grupo A Barca para alinhar o ensino teórico a prática e profissionalizar as artes cênicas local. Com a participação de professores, alunos e funcionários, foram realizadas inúmeras montagens inéditas e releituras da dramaturgia universal. Apesar de toda efervescência, com a saída de Martim Gonçalves da direção da Escola, o grupo não prosseguiu e se dissipou sete após a formação. Mas a semente estava plantada e depois, 1981, nasce a herdeira direta da A Barca, a Companhia de Teatro da UFBA com a participação de discentes, docentes, demais empregados e artistas convidados. Ao longo das três décadas, o grupo montou 38 espetáculos; entre eles destacam-se a peça inaugural Seis Personagens à Procura de um Autor, A Caverna, O Menor Quer Ser Tutor, Mãe Coragem e Arte. Essas produções reuniram nomes consagrados como Carlos Petrovich, Nilda Spencer, Wilson Melo, Yumara Rodrigues, Márcio Meirelles, Iami Rebouças, e tantos outros, que fortaleceram o teatro baiano e acumularam diversos prêmios.
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