quarta-feira, 15 de outubro de 2008

'Sou transgressora', diz Maria Alice Vergueiro em entrevista ao EGO


Atriz do sucesso virtual ‘Tapa na Pantera’ lança autobiografia 'não-autorizada' na qual conta segredos como 'eu já transei com mulher'


Diva do underground, Pantera, vovó doidona da internet, atriz na linha de frente: Maria Alice Vergueiro lança uma autobiografia não-autorizada - "Tapa na Pantera na Íntegra" -, na qual fala, sem papas na língua, sobre como o “ser diferente” sempre fez parte de sua vida. Em entrevista ao EGO, a atriz – que virou ícone virtual ao protagonizar o curta-metragem "Tapa na Pantera", em 2005 – revela que a internet a fez despertar de uma velhice anunciada para uma vida ativa e pensante. “Não quero ser a vovó antiga”, diz.


EGO - Como surgiu a idéia do livro?
MARIA ALICE VERGUEIRO - O escritor e editor Alonso Alvarez me convidou para entrar nessa de autobiografia não-autorizada. Mas, sobretudo, ele quis pegar essa onda da internet, que me deu uma projeção. Não queria fazer um livro "cabeça", aquela autobiografia que é quase um obituário. Minha vida já é longa, né? Quis dar essa linguagem rápida da internet. Você pensa, fala, pensa, fala. É uma coisa mais à vontade.


E por que é não-autorizada? Tem uma faceta da Maria Alice que não autorizou? Foi uma piadinha. Na época tinha a história do Roberto Carlos ter proibido a dele, nos Estados Unidos tem muito essa coisa da biografia não-autorizada. E a internet veio muito pra questionar o que é autoria. Com o próprio vídeo do "Tapa na Pantera" foi assim. Foi parar na internet, mandaram tirar, e no dia seguinte estava lá de novo. Achei isso muito interessante. Então uma coisa não-autorizada, sendo autobiografia, fica mais engraçada ainda. Você pode correr o risco muitas vezes de querer e ao mesmo tempo temer colocar tudo a público.


Você disse que o Roberto Carlos não lançou biografia porque não quis contar os segredinhos dele. Você contou os seus no livro? Contei segredinhos do tipo que eu transei com mulher. Isso é uma coisa que todo mundo diz “Oh! Ela é lésbica!”. Contei também que fui no programa da Sílvia Popovic, em 89, e lá estava o macho de plantão, o Jece Valadão. Era um programa sobre sexo, e entre os entrevistados tinha uma lésbica, um gay, um machão e uma possível bissexual, que era eu. Quando o programa acabou, o Valadão chegou para mim e disse: “Desculpe, mas tenho a impressão de que a senhora não é nem uma coisa nem outra. A senhora precisa descobrir sua sexualidade”(risos). Então, de repente você conta os segredinhos de uma certa maneira que fica a dúvida: aquilo é uma personagem ou você mesmo? Se você é pego num flagra, tipo essa Amy Winehouse, que sai da boate toda esculhambada, dá tristeza até. Agora, tem muitas que fingem estar na lama para serem notícia.


O que você acha de uma pessoa como a Amy? Apesar de toda a lama, ela é transgressora, assim como você. Acho que ela é vítima. É como uma Marylin Monroe, por exemplo. Não é como uma Madonna, que pode até fingir que se dá uma facada só para chamar atenção, mas segura a barra. Porque de uma certa maneira, o público quer a desgraça, quer que você caia do trapézio. Saber dos segredinhos do Roberto Carlos seria uma forma de espiar pelo buraco da fechadura e ver o que está acontecendo com ele.


Sua história no teatro e no cinema mostra que você gosta de transgredir. E com a internet acabou sendo assim também. Você acha que seu trabalho precisa revolucionar de alguma forma? Acho que eu sou transgressora, não faço tipo. Não sou que nem alguns atores da Globo que fazem um papel, depois voltam para casa e têm suas vidas privadas. Misturo um pouco a minha personagem com a minha vida.


Que trabalho você ainda tem vontade de fazer? Estou trabalhando numa peça de teatro do Alejandro Jodorowski, diretor chileno que criou os midnight movies. Ele é cult, mesmo aos 80 anos. É um cara que teve inúmeras oportunidades de ir para Hollywood, mas percebeu que poderia perder a individualidade, a essência. É como se o "Tapa na Pantera" fosse feito pela Fernanda Montenegro. Primeiro, que ela não faria. Mas se ela fizesse, ia ser aquela coisa: ‘Fernanda Montenegro está falando de maconha!’. Comigo eles não sabiam quem eu era. Eu era uma velha louca. Mas nem foi a temática que causou o estranhamento, foi o jeito como eu coloquei a coisa. E ninguém nunca vai saber se é real ou se estou interpretando.


E a peça do Jodorowski, qual é? A peça se chama ‘As três velhas’. É grotesca, não é um realismo naturalista. Fala de três velhas decadentes que perderam tudo. Elas estão desesperadas porque só têm um vestido, uma dentadura. Mas é um grotesco muito poético, muito bem-escrito, que não pode cair no besteirol. O Jodorowski lida com a velhice de uma maneira muito interessante. Ele acredita que a juventude tem a ver com a cuca, com a possibilidade de estar atuando.

E você se identifica com isso, não é? Claro. Tenho as minhas limitações físicas, mas acho que talvez será o papel mais importante da minha vida. Serei uma das velhas e vou entrar de cadeira de rodas (as outras duas serão vividas por dois atores, Luciano Quirolli e Ricardo Castro), por conta do meu problema do joelho. Mas acabou se encaixando perfeitamente. O Jodorowski me acendeu, porque eu já estava me sentindo velha, tipo "ah, você é avó, sossega o rabo".
O Jodorowski e o You Tube te levantaram? Exatamente (risos)! E a partir daí aceitei me expor com o livro. Porque eu acho que você tem que cair na vida. Cheguei à conclusão que minhas experiências podem ajudar as pessoas, nem que seja para fazer o contrário. São 50 anos de teatro, alguma coisa deve ter ficado.


O You Tube a transformou numa celebridade? Em que mudou sua vida? O You Tube apareceu quando eu estava querendo parar, e percebi que não precisava parar. Tive um "insight". Estou velha, mas não posso perder esse bonde. Posso ter um relacionamento maduro com a minha neta, em vez de ficar imitando a vovó antiga. Não virei uma celebridade de ter um público louco querendo arrancar minha roupa. A relação é de cumplicidade. As pessoas simplesmente olham e sorriem para mim.


É verdade que depois do "Tapa na Pantera" você vendeu as jóias para comprar um computador? Esse negócio de vender jóias... Eu vendo sempre (risos)! Eu não tinha celular, computador... Mas aí quis ter.
Tem vídeos na rede que você gosta? Tem sim. Comecei a ver todos os amigos que também fizeram sucesso na internet, como a Fala Sônia, a Ruth Lemos... Tem um pessoal até que fez uma música para mim: “Manera, mamãe, manera. Você passou da idade de dar tapa na pantera”(risos).

E esse sucesso todo te abriu novas portas? Abriu sim. Até porque depois disso eu comecei a ganhar "uns troco". Fiz várias publicidades... (risos)
Você faz os outros riem. Mas o que te faz rir? A melhor risada é rir de si mesmo. Não é tirar sarro, rir do ridículo do outro. Isso nunca me fez rir. O engraçado é uma coisa repentina, inesperada.


Do que você se orgulha? Ao fazer esse livro, me deparei com sentimentos opostos. Tenho orgulho de ter lutado contra a correnteza. O problema da mulher, da classe social, do artista. Mas para fazer tudo isso e ser assim, diferente, deixei de atender às necessidades dos meus filhos. Isso é contraditório, mas não chega a me abalar. Eu fui linha de frente. É uma contradição. Mas quem não as tem?

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