segunda-feira, 20 de outubro de 2008

LUIZ FERNANDO GARCIA: O INCONSCIENTE INTERFERE NO SUCESSO

Empresário, empreendedor, professor, psicólogo, orientador, consultor. Luiz Fernando Garcia tem muito de todos esses perfis. Especialista em comportamento humano, ele realiza um trabalho tão inusitado quanto interessante e eficaz de psicodinâmica aplicada aos negócios.

Possui 20 mil horas de aplicação comportamental, trabalhando com modificação de adultos – "não com motivação, mas com grandes intervenções de longa duração (dois, três anos)" -, reunindo um conhecimento bastante incomum: psicanálise, psicologia, comportamentalismo, qualidade administrativa e consultoria empresarial. "Antes de tudo, eu sou um empresário", diz ele.

Fez parte da equipe de orientadores e consultores do programa de alto impacto chamado Empretec, desenvolvido pela ONU - Organização das Nações Unidas, que no Brasil é de responsabilidade do Sebrae.

"Percebi que esses treinamentos de alto impacto para algumas pessoas davam muito certo, já para outras... Às vezes, as levavam a surtos psicóticos (risos). Isso me levou a estudar e depois a entender mais da ciência do comportamento, o quanto o biopsicosocial de cada um altera tudo."

A partir dessa compreensão, promoveu 1.200 entrevistas com empresários – o que deu origem ao livro "Pessoas de Resultado", Editora Gente - e concluiu que características como falta de visão e/ou falta de tomada de decisão, por exemplo, têm diretamente relação com o ambiente de criação das pessoas. "O jeito que o pai age, o jeito que a mãe age... Isso diferencia tudo."

Aprofundou-se no tema, ganhou certificações internacionais, criou técnicas e formatos que aproximam ciência do comportamento e business. Fundou a Render Capacitação, que trabalha diretamente com líderes e empresários por meio de workshops, palestras e GDs ("Grupos Dirigidos: de empresários e profissionais envolvidos com o ambiente de negócios juntos, durante 14 meses, com o propósito de adicionar a idéia da psicodinâmica ao cotidiano das empresas") e, assim, já atendeu quase 4 mil empresas e cerca de mil empresários e líderes.

Tantas experiências também foram transformadas em livros. Em 2006, escreveu "Gente que Faz" e agora, neste mês de outubro, lança "O Inconsciente na sua Vida Profissional", ambos também da Editora Gente. Neste último, relata histórias de donos de empresas que são bem-sucedidos e também dos que não conseguiram ter um estabelecimento sólido, deixando claro que, seja no sucesso ou no fracasso, o inconsciente atua invariavelmente.

O Jornal Carreira & Sucesso conversou com o especialista e procurou saber de que forma podemos, então, trabalhar o inconsciente a favor da nossa carreira e dos nossos negócios. Acompanhe!

Jornal Carreira & Sucesso: Qualquer pessoa pode se tornar empreendedora?
Luiz Fernando Garcia: Bom...Apenas 3,5 a 5% da população mundial é considerada dotada de personalidades empreendedoras. O que é personalidade empreendedora? De maneira prática, o indivíduo empreendedor tem:
  • Nível de iniciativa alto;
  • Predisposição à tomada de desafios e riscos;
  • Qualidade de visão.
    Mas é importante destacar que essa característica de personalidade é biopsicosocial. Então, existe predisposição genética somada a estímulos do meio ambiente, em especial ocorridos durante a primeira infância (0 a 2 anos) e a segunda infância (2 a 7 anos). Como dito, essas são pouquíssimas pessoas e é algo que independe de dinheiro ou de estudos. Por isso que a gente vê, muitas vezes, pessoas que não têm nada e constroem um império. Mas existe o desenvolvimento de conduta empreendedora. A personalidade empreendedora não é possível desenvolver já a partir dos 22 anos de idade. Mas a conduta sim, em qualquer idade. Às vezes é preferível você ter um empresário de conduta empreendedora do que de personalidade empreendedora. Não é porque você é um franco-empreendedor (3,5 a 5% da população) que você vai dar certo, pois existem disfuncionalidades. Às vezes, por causa de uma criação estragada, do mesmo jeito que constroem coisas, eles destroem coisas.

    C&S: Quando você fala de estímulos do meio ambiente, situações ocorridas ainda na infância, quer dizer que tudo isso realmente interfere de maneira quase determinante na carreira e nos negócios? Essa visão ainda é pouco conhecida no mercado, não?
    Luiz Fernando Garcia: Sim. A ciência do comportamento não chega à pequena e à média empresa. O meio acadêmico protege o saber. Mas Freud sempre soube disso. Grande parte da condição de o indivíduo dar certo tem a ver com a criação. O quanto ele foi desenvolvido com mais auto-estima, o quanto ele é menos teimoso, o quanto ele cria boas saídas, o quanto ele consegue superar frustrações... Pai é sinônimo de estratégia. Mãe, de autoconfiança. Esse mote é psicanalítico. Uma rejeição relativa – friso o relativa - por parte de pai ajuda a desenvolver personalidades empreendedoras, por exemplo. Essa realidade eu trabalho nos "GDs" - Grupos Dirigidos, voltados para empresários. O que é oculto em cada indivíduo?



    C&S: O inconsciente existe e sempre vai existir. Você apenas o traz à tona?
    Luiz Fernando Garcia: O inconsciente deve virar consciente. Fazendo o indivíduo ter um aprendizado próprio, eu começo a apresentar teorias de natureza científica do comportamento em que o empresário passa a se identificar mais. O processo culmina quando ele deve fazer narrativas de algumas situações vividas. Esse acesso ao que é oculto promove o que na Psicologia chamamos de resignificança, ou seja, dá um novo significado a algumas questões. O GD promove duas coisas: conscientização e apropriação. Eu tenho essas condições e devo lidar com elas. Sou o que sou e não o que gostaria de ser. Sabendo disso, há uma tendência natural de que eles deslanchem mais nos negócios.

    C&S: Exemplo prático?
    Luiz Fernando Garcia: Um empresário da área de supermercados me procura e revela que falta mercado no setor. Mas quando a gente vai investigar, sobra mercado. Qual o problema, então? Aquele supermercado, na verdade, foi dado a ele quando casou com a esposa. O pai da esposa deu a ele o supermercado porque não tinha outro sucessor. Junta-se a isso o fato de que esse mesmo homem (o genro) tinha problemas em relação ao próprio pai. Então, todo esse jogo psíquico faz o cara abraçar uma causa que não é dele e enxergar o sogro como novo pai. Ele começa a desenvolver coisas que não são dele. Ele começa, inconscientemente, a criar erros que levam ao fracasso do negócio. Então, o problema todo está na origem, e não no mercado. Nos GDs existem formatos para que a gente toque na inconsciência dos indivíduos. Construí técnicas para que todos cheguem a um insight e comecem a mudar. Todos eles atuam entendendo a inconsciência durante o processo de 14 meses. Resultado? 80% incrementam ganhos nos negócios muito rapidamente.

    C&S: No Brasil há dados que mostram que as empresas fecham muito novinhas, ainda antes de completarem cinco anos. Você acha que esses números refletem a falta dessa percepção?
    Luiz Fernando Garcia: 72% da população que abre negócio quebra ainda nos primeiros cinco anos de vida. Essa dificuldade de gerar manutenção mora tanto na inquietude daqueles que são franco-empreendedores quanto na falta de experiência do empresariado. A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, tem uma cadeira sobre a abertura de pequenos negócios que pede seis meses de experiência em um cargo de função similar para adquirir experiência para abrir um negócio próprio. A gente não faz isso aqui no Brasil. Plano de negócio ajuda, mas às vezes ele é feito de forma idealizada. Eu tive essa experiência na Bunge, trabalhando com 169 padarias. Eles criavam planos de negócios, mas em cima do que eles iriam ofertar, e não do que o mercado iria demandar. Grande parte dos empresários passa por uma mecânica de defesa muito padrão: a idealização. Eles negam os aspectos negativos e projetam desejos nesses negócios. E negócios precisam de adaptação e flexibilização. A capacidade de identificar o que é inconsciente neles já traria uma diminuição nas quebras, sem dúvida! A inconsciência determina quebra dos negócios, sim.

    C&S: Como fazer isso, como quebrar ilusões?
    Luiz Fernando Garcia: Para se ter uma idéia, sobretudo nos francos, a gente pode e deve atuar em quatro vertentes:
    1- Esporte aeróbico de cinco a seis vezes por semana, com intensidade de 6 km/hora de caminhada. Isso ajuda a ficar menos acelerado durante o dia, a tomar menos decisões e a manter o foco;
    2- Processo terapêutico, seja psicoterapia ou cursos que promovam autoconhecimento, aprendizagem profunda, insights;
    3- Espiritualidade;
    4- Entrega a um amor verdadeiro.
    Essas quatro coisas ajudam a canalizar energia e a diminuir erros e quebras. Além disso, tem algo muito interessante que funciona com todo mundo: escrever. Coloque no papel três cenários: pessimista, mediano e otimista. Tudo com verbo sempre no infinitivo - Fazer tal coisa, aumentar tanto, criar... Coloque parâmetro de números e tempo - vou aumentar de 30 a 50, entre janeiro e agosto... A maioria das pessoas opera no mundo usando apenas realidade interna, ou seja, o que elas acreditam. Escrever ajuda a colocar essa realidade interna em realidade objetiva. Escrever otimiza em até 60% a capacidade de realizar.

    C&S: Alguns toques práticos de consultoria empresarial?
    Luiz Fernando Garcia: É necessário cuidar dos sintomas típicos do nascimento da pequena empresa. Pontuando:
    1 - Não baseie o pró-labore pelo mercado. Um diretor ganha R$ 10 mil, eu vou ganhar R$ 10 mil. Não. Você deve pagar suas continhas no início e só.
    2 - Dinheiro investido deve voltar em reinvestimento.
    3 - Tenha sempre, desde o projeto inicial, um capital de giro.
    4 - Prontifique-se a nos primeiros dois ou três anos trabalhar de 12 a 17 horas por dia. Para isso, deve ser feito um acordo dentro da família para que ela também não jogue contra.

    C&S: Pelo jeito, sucesso não é sinônimo de sorte?
    Luiz Fernando Garcia: Não, não. O que a gente nota de comum entre aqueles que obtêm sucesso é que todos têm uma capacidade de visão avantajada e pré-disposição a trabalhar muito. Pode rezar, e você deve rezar, rezar, rezar, rezar muito. Mas se não trabalhar, não vai adiantar nada. Outra coisa: cuidado ao criar a empresa. Nasça para atender necessidade, e não para satisfazer uma vontade sua, para ter o negócio que você sempre quis ter. Se não há necessidade de mercado, não há negócio próspero.
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