Uma semana inteira de tensões, apelos dramáticos, beira do precipício e ameaças. Assim o mundo viveu os últimos dias, estupefato, diante da maior economia do planeta. Acreditar, ninguém acredita que o impasse possa ter ido tão longe. O que leva uma democracia madura como a dos Estados Unidos a um grau suicida de polarização como a que se viveu nas últimas semanas?
Em agosto, os Estados Unidos têm que pagar uma Grécia e meia aos seus credores. Não é nada para uma economia de US$ 14 trilhões, mas, como disse o presidente Barack Obama, o problema é o sistema político, que não tem estado à altura da boa nota do crédito americano. No governo brasileiro, que tem mais de US$ 200 bilhões das reservas aplicados em títulos do Tesouro americano, caminhou-se do “eles não farão isso” para o “se eles fizerem isso, os fundos de investimento não vão se desfazer dos papéis americanos”. Análise ou desejo?
Independentemente do que aconteça, o cristal trincou: já se sabe que eles podem chegar à beira do abismo. Portanto, quem trabalha com risco a sério tem que considerar que a insensatez pode contaminar o ambiente político americano e exibir em Washington um teatro do absurdo.
Para entender o que houve na política e na economia dos Estados Unidos é preciso recuar de novo ao 11 de setembro de 2001. George Bush fora eleito, em 2000, num ambiente já de polarização. O processo eleitoral foi contestado pelos seus óbvios defeitos; o país exibiu ao mundo uma contagem de votos pouco confiável, e com métodos toscos, no estado governado pelo irmão do suposto vencedor. Com baixa popularidade e um discurso de guerra fria, George Bush II assumiu restaurando o fundamentalismo entre os republicanos. O 11 de setembro feriu os Estados Unidos e criou o ambiente para erros políticos e econômicos em série.
Na política, fortaleceu a islamofobia e reforçou as piores características de uma ala da sociedade americana. Diante de duas torres derrubadas em plena Manhattan e de 3.500 inocentes mortos, a direita radical achou que tivera razão desde sempre. Duas guerras foram iniciadas para achar e matar o inimigo. Os cofres foram abertos em gastos sem limites na “guerra ao terror”. A crise de confiança econômica que se seguiu ao 11 de setembro poderia levar o mundo à recessão. E também para evitar isso os cofres foram abertos e os juros derrubados a zero. Bush conseguiu se reeleger. Ele não soube como sair das guerras que entrou, os juros negativos e os gastos públicos fomentaram bolhas no mercado americano e elas explodiram na crise da quebra do Lehman Brothers em 2008. Os cofres foram escancarados, de novo, desta vez para salvar o país do seu pior fantasma, a repetição da depressão nos moldes da de 1929.
Na eleição de 2008, os Estados Unidos pareciam reencontrar o eixo moderado na política. No Partido Democrata, a disputa era entre uma mulher e um negro. Do lado republicano, na frente, estava um moderado, John McCain. Para se contrapor ao fato de que lutava contra os que sempre tinham estado fora do poder — mulheres e negros —, ele escolheu uma mulher, e mais conservadora que ele, tentando unir seu partido e agradar o eleitorado. Sarah Palin era desconhecida antes e continua sem expressão hoje, mas o sentimento conservador profundo que sempre habitou uma parte do interior do país se viu refletido nela e assim nasceu o facção republicana extremada conhecida como Tea Party.
A eleição de Obama foi com votos de latinos, negros, independentes, e do trabalhismo democrata que migrou de Hillary para o vencedor das primárias. Os republicanos perderam a Presidência e a maioria nas duas Casas. Os democratas ganharam o poder executivo e legislativo de um país economicamente em destroços e atolado em duas guerras. Elas já mataram duas vezes mais americanos que o 11 de setembro.
Os empresários americanos dizem que o presidente Barack Obama não os ouve. Nas reuniões, parece nem prestar atenção no que dizem. Obama se mostra mais à vontade em discursos diretos à população ou quando está se comunicando com tecnologias de ponta. Ontem mesmo estava tuitando para que eleitores pressionassem parlamentares.
A incapacidade de Obama de restaurar o crescimento e criar emprego azedou a relação com o eleitorado na eleição de meio de mandato. Por outro lado, o Tea Party, que parecia ser um movimento exótico e lateral, ganhou força e hoje é 25% dos republicanos na Câmara. Não têm líderes expressivos, nem número, mas já fizeram um estrago na cena política. Os mais moderados dentro do Partido Republicano foram empurrados mais para a direita. Temem perder espaço nos seus estados por estarem entre dois fogos: o radicalismo dos Tea Party e os rivais liberais do Partido Democrata. Daí surgiu o impasse, que mesmo após a aprovação na Câmara da proposta de elevar o teto da dívida, mantém o mundo em suspense.
O discurso contra o excesso de impostos sempre fez eco na alma americana, que numa rebelião anti-impostos fez sua independência. É esse sentimento que foi manipulado nesse momento de polarização. O Partido Democrata quer suspender benefícios fiscais aos muito ricos e às grandes empresas, principalmente as do setor de alto carbono. Os republicanos tratam isso como se fosse um aumento de imposto sobre o cidadão comum. Os mais moderados entre os republicanos que tentaram negociar foram chamados de traidores pela ala radical. Os democratas, sem maioria na Câmara e apertados no Senado, foram incapazes de romper o bloqueio. Assim foram os últimos e loucos dias vividos na bicentenária democracia que governa a maior economia do planeta.
Em agosto, os Estados Unidos têm que pagar uma Grécia e meia aos seus credores. Não é nada para uma economia de US$ 14 trilhões, mas, como disse o presidente Barack Obama, o problema é o sistema político, que não tem estado à altura da boa nota do crédito americano. No governo brasileiro, que tem mais de US$ 200 bilhões das reservas aplicados em títulos do Tesouro americano, caminhou-se do “eles não farão isso” para o “se eles fizerem isso, os fundos de investimento não vão se desfazer dos papéis americanos”. Análise ou desejo?
Independentemente do que aconteça, o cristal trincou: já se sabe que eles podem chegar à beira do abismo. Portanto, quem trabalha com risco a sério tem que considerar que a insensatez pode contaminar o ambiente político americano e exibir em Washington um teatro do absurdo.
Para entender o que houve na política e na economia dos Estados Unidos é preciso recuar de novo ao 11 de setembro de 2001. George Bush fora eleito, em 2000, num ambiente já de polarização. O processo eleitoral foi contestado pelos seus óbvios defeitos; o país exibiu ao mundo uma contagem de votos pouco confiável, e com métodos toscos, no estado governado pelo irmão do suposto vencedor. Com baixa popularidade e um discurso de guerra fria, George Bush II assumiu restaurando o fundamentalismo entre os republicanos. O 11 de setembro feriu os Estados Unidos e criou o ambiente para erros políticos e econômicos em série.
Na política, fortaleceu a islamofobia e reforçou as piores características de uma ala da sociedade americana. Diante de duas torres derrubadas em plena Manhattan e de 3.500 inocentes mortos, a direita radical achou que tivera razão desde sempre. Duas guerras foram iniciadas para achar e matar o inimigo. Os cofres foram abertos em gastos sem limites na “guerra ao terror”. A crise de confiança econômica que se seguiu ao 11 de setembro poderia levar o mundo à recessão. E também para evitar isso os cofres foram abertos e os juros derrubados a zero. Bush conseguiu se reeleger. Ele não soube como sair das guerras que entrou, os juros negativos e os gastos públicos fomentaram bolhas no mercado americano e elas explodiram na crise da quebra do Lehman Brothers em 2008. Os cofres foram escancarados, de novo, desta vez para salvar o país do seu pior fantasma, a repetição da depressão nos moldes da de 1929.
Na eleição de 2008, os Estados Unidos pareciam reencontrar o eixo moderado na política. No Partido Democrata, a disputa era entre uma mulher e um negro. Do lado republicano, na frente, estava um moderado, John McCain. Para se contrapor ao fato de que lutava contra os que sempre tinham estado fora do poder — mulheres e negros —, ele escolheu uma mulher, e mais conservadora que ele, tentando unir seu partido e agradar o eleitorado. Sarah Palin era desconhecida antes e continua sem expressão hoje, mas o sentimento conservador profundo que sempre habitou uma parte do interior do país se viu refletido nela e assim nasceu o facção republicana extremada conhecida como Tea Party.
A eleição de Obama foi com votos de latinos, negros, independentes, e do trabalhismo democrata que migrou de Hillary para o vencedor das primárias. Os republicanos perderam a Presidência e a maioria nas duas Casas. Os democratas ganharam o poder executivo e legislativo de um país economicamente em destroços e atolado em duas guerras. Elas já mataram duas vezes mais americanos que o 11 de setembro.
Os empresários americanos dizem que o presidente Barack Obama não os ouve. Nas reuniões, parece nem prestar atenção no que dizem. Obama se mostra mais à vontade em discursos diretos à população ou quando está se comunicando com tecnologias de ponta. Ontem mesmo estava tuitando para que eleitores pressionassem parlamentares.
A incapacidade de Obama de restaurar o crescimento e criar emprego azedou a relação com o eleitorado na eleição de meio de mandato. Por outro lado, o Tea Party, que parecia ser um movimento exótico e lateral, ganhou força e hoje é 25% dos republicanos na Câmara. Não têm líderes expressivos, nem número, mas já fizeram um estrago na cena política. Os mais moderados dentro do Partido Republicano foram empurrados mais para a direita. Temem perder espaço nos seus estados por estarem entre dois fogos: o radicalismo dos Tea Party e os rivais liberais do Partido Democrata. Daí surgiu o impasse, que mesmo após a aprovação na Câmara da proposta de elevar o teto da dívida, mantém o mundo em suspense.
O discurso contra o excesso de impostos sempre fez eco na alma americana, que numa rebelião anti-impostos fez sua independência. É esse sentimento que foi manipulado nesse momento de polarização. O Partido Democrata quer suspender benefícios fiscais aos muito ricos e às grandes empresas, principalmente as do setor de alto carbono. Os republicanos tratam isso como se fosse um aumento de imposto sobre o cidadão comum. Os mais moderados entre os republicanos que tentaram negociar foram chamados de traidores pela ala radical. Os democratas, sem maioria na Câmara e apertados no Senado, foram incapazes de romper o bloqueio. Assim foram os últimos e loucos dias vividos na bicentenária democracia que governa a maior economia do planeta.
Fonte: COLUNA NO GLOBO
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